No cotidiano forense, não são poucas as vezes em que nos deparamos com ações de desapropriação nas quais a parte que de fato ocupa o imóvel como proprietário não detém o respectivo título de domínio. São os casos de promissários compradores que não receberam a competente escritura de compra e venda (e que muitas vezes sequer levaram a registro o instrumento particular de compromisso de compra e venda), de possuidores ad usucapionem que ainda não promoveram a regularização imobiliária, de donatários sem escritura formal de doação etc.
Nessa seara, identifica-se grande quantidade de casos em que o ocupante do imóvel é o herdeiro do proprietário tabular (ou herdeiro do herdeiro, em cadeia sucessória) mas que, por variados motivos (principalmente de ordem financeira), não realizou o processo de inventário e partilha dos bens do antecessor ou, se o fez, não efetivou o registro do Formal de Partilha, Carta de Adjudicação ou Escritura Pública de Partilha junto ao cartório de imóveis.
Dispõe o artigo 34, do Decreto-lei 3.365/41, que rege o levantamento do preço pago pelo ente expropriante:
“Art. 34. O levantamento do preço será deferido mediante prova de propriedade, de quitação de dívidas fiscais que recaiam sobre o bem expropriado, e publicação de editais, com o prazo de 10 (dez) dias, para conhecimento de terceiros.”
Como se vê, exige a lei a “prova da propriedade” para que a parte possa ser autorizada a receber o preço do imóvel desapropriado.
Infelizmente, ainda subsiste, em parte da magistratura, juízes apegados de maneira excessiva ao formalismo, ao conservadorismo e à primazia da forma sobre o conteúdo, e que aplicam de forma cega a letra fria da lei em detrimento da justiça, da efetividade do processo e do desenvolvimento das relações jurídico-sociais. Tal hermenêutica resulta em execução injusta da lei, arrimada em concepções jurídicas que de há muito restaram ultrapassadas pela evolução da sociedade.
De fato, não é incomum deparar-se com decisões indeferindo o levantamento do preço da desapropriação formulado por herdeiros do proprietário tabular que, embora comprovem de maneira robusta sua condição de sucessores (por meio de certidões do registro civil ou, mesmo, por Formais de Partilha, Cartas de Adjudicação ou Escrituras Públicas de Partilha pendentes de registro), não regularizaram o álbum imobiliário. Tais decisões exigem a apresentação de certidão de matrícula atualizada do bem desapropriado, dela constando toda a sucessão hereditária até chegar-se aos herdeiros atuais, sob o argumento de que somente o registro no cartório de imóveis transfere a propriedade.
Nessas situações, muitas vezes os herdeiros do proprietário tabular enfrentam dilema incontornável: não possuindo condições econômicas de realizar os inventários e registrá-los na matrícula do imóvel, veem-se privados do recebimento do preço da desapropriação (e, em determinadas situações, vendo-se obrigados a desocupar o imóvel expropriado); embora pudessem utilizar parte do preço pago pelo ente expropriante exatamente para custear o processo de inventário, não podem acessar os valores enquanto não regularizada a matrícula do bem.
Ocorre que, a exigência de realização de inventário, e posterior registro no cartório de registro de imóveis, como condição sine qua non para o levantamento do preço de desapropriação pelos herdeiros do proprietário tabular, confunde institutos jurídicos absolutamente distintos: a transmissão da propriedade inter vivos e a transmissão causa mortis da propriedade.
Como se sabe, a sucessão de bens de uma pessoa a outra pode se dar de duas formas:
- a) inter vivos: consiste na transferência do bem entre duas ou mais pessoas vivas. Nesse caso, a aquisição do direito real pelo sucessor se dá mediante o registro do ato translativo no registro de imóveis, consoante artigo 1.227 do Código Civil (artigo 676 do Código Civil de 1916).
- b) causa mortis: a transmissão do bem ocorre pela morte de seu titular, tornando-se, seus herdeiros, seus sucessores. A abertura da sucessão é imediata, com a automática transmissão da propriedade aos herdeiros sem a existência de período de vacância, sendo o posterior registro da sucessão no álbum imobiliário mera formalidade.
Isto porque, como a morte encerra a personalidade da pessoa natural, não se pode admitir que seus bens permaneçam sem dono. Assim, a herança do de cujus, ora compreendida como a universalidade de bens e direitos do falecido, transmite-se automaticamente aos seus herdeiros, os quais se tornam, de imediato, seus proprietários e possuidores (em regime de condomínio pro indiviso no caso de pluralidade de sucessores e até a ultimação da partilha).
Trata-se, aqui, do princípio de saisine previsto no art. 1.784 do Código Civil (art. 1.572 do Código Civil de 1916), conceituado por Maria Berenice Dias como:
“a imediata transferência de pleno direito dos bens do falecido para os seus herdeiros quando da abertura da sucessão. (…) Morto o titular, seu patrimônio – com o nome de herança – se transfere a todos os herdeiros, necessários, legítimos, testamentários e legatários.” (In Manual das Sucessões, 3ª ed., Ed. RT, 2013, pág. 108)
No mesmo sentido, o escólio de Eduardo Oliveira Leite:
“Como a morte do de cujus gera ausência definitiva de titularidade, o Direito impõe, através de uma ficção jurídica, a transmissão da herança, garantindo a continuidade na titularidade das relações jurídicas do defunto. Se a propriedade é perpétua, doutrina Demolombe (In DEMOLOMBE, Cours de Code Napoléon, vol. XIII, n.º 79), a perpetuidade do domínio descansa precisamente na sua transmissibilidade post mortem.
Na impossibilidade de se admitir que um patrimônio fique sem titular, o direito sucessório atinge, via transmissão imediata, a permanência da propriedade na pessoa dos herdeiros. A propósito, como bem salientara Pontes de Miranda, o que se transmite não é só a propriedade, mas ‘transmitem-se todos os direitos, pretensões, ações e exceções’ (In PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcanti, Tratado de Direito Privado, Rio de Janeiro: Borsoi editor, 1968, vol. 55, p. 18), assim como qualquer posse, a imediata e a mediata, a própria e a imprópria, o direito à posse ou à reaquisição da posse.” (In Eduardo de Oliveira Leite, Comentários ao Novo Código Civil, Vol. XXI, Coord. Sálvio de Figueiredo Teixeira, 1ª ed., Ed. Forense, 2003, págs. 05/06) (grifos nossos)
Com efeito, a transmissão causa mortis, exatamente em razão da adoção, pela legislação brasileira, do regime de saisine, não se subordina às regras da sucessão inter vivos. Enquanto o registro no cartório de registro de imóveis é requisito inafastável para a constituição ou transferência do direito real entre uma pessoa e outra, “a transmissão mortis causa não se submete a essa formalidade. Aberta a sucessão, opera-se a transmissão do domínio e da posse [em favor dos herdeiros].” (In Marco Aurélio S. Viana, Comentários ao Novo Código Civil, Vol. XVI, Coord. Sálvio de Figueiredo Teixeira, 1ª ed., Ed. Forense, 2003, pág. 15)
Nesse contexto, na hipótese de sucessão causa mortis, o posterior registro da partilha do acervo hereditário no registro de imóveis atende exclusivamente aos princípios da continuidade e publicidade que regem o sistema registral pátrio. Não se reveste, contudo, de requisito fundamental para a transmissão da propriedade, fato que ocorre no momento do evento morte.
Apliquemos esse entendimento a um caso concreto:
João adquire um imóvel de Manoel em 1990. Ambos lavram, em cartório de notas, uma escritura de compra e venda, e João a registra no cartório de registro de imóveis. Da data do registro em diante, João passa a ser o proprietário do imóvel, pois até então o proprietário era Manoel.
João falece em 2010, e deixa como herdeiros apenas seus dois filhos, José e Joaquim. Com a morte de João, o imóvel não pode ficar “sem dono” Juridicamente, assim, José e Joaquim recebem automaticamente, no momento do óbito do pai, a propriedade e a posse do imóvel. Já são, desde então, proprietários do bem.
Embora José e Joaquim necessitem realizar o inventário e partilha (judicial ou extrajudicial) do bem deixado pelo pai, já são, desde o evento morte, proprietários do bem, com todos os direitos decorrentes da propriedade. A abertura do processo de inventário e a subsequente partilha do bem representa somente a conversão do estado pro indiviso do bem para pro diviso entre os herdeiros. Até a partilha, José e Joaquim são proprietários, cada um, de parte ideal de todo o acervo hereditário indivisível; feita a partilha, cada um passará a ser proprietário não mais de parte ideal da herança por inteiro, mas, sim, do quinhão que lhe vier a ser atribuído.
Como se vê, a realização de inventário e/ou o registro de Formal de Partilha, Carta de Adjudicação ou Escritura Pública de Inventário em nada altera o cenário acima e, diversamente do quanto ocorre nas transmissões inter vivos, não é requisito fundamental para a transmissão da propriedade.
A transmissão hereditária de bem imóvel difere da transmissão inter vivos exatamente no momento da transmissão em si. Se na transferência inter vivos é o registro do título translativo junto ao cartório de imóveis que transmite a propriedade, na transferência causa mortis é a morte que opera a transferência ope juris (por isso, aliás, é denominada causa mortis).
Repita-se: a realização de inventário e/ou o registro Formal de Partilha, Carta de Adjudicação ou Escritura Pública de Inventário, na matrícula do imóvel não transfere a propriedade do bem do falecido ao seu herdeiro. A transmissão se dá no momento do evento morte, sendo o registro do inventário mera exigência administrativa para dar publicidade a terceiros.
Voltemos ao artigo 34, do Decreto-lei 3.365/41, que exige, para o levantamento do preço pago pelo ente expropriante, a “prova de propriedade” do requerente relativamente ao imóvel.
Na transmissão inter vivos, realmente a prova da propriedade reside no registro do título translativo junto ao cartório de imóveis. Isto porque, enquanto não registrar o título, o adquirente não recebe a propriedade; o registro é, ao mesmo tempo, o momento da transmissão e a prova da transferência.
Já na transmissão causa mortis, o momento da transmissão é a morte do autor da herança. A prova da transferência, portanto, reside na comprovação da morte e de quem são seus herdeiros. Para tal, basta, em princípio, o próprio processo de inventário, ainda que não finalizado, senão mesmo a simples prova do falecimento (certidão de óbito) e da qualidade de herdeiro (certidões de nascimento/casamento).
No caso acima, é suficiente que José e Joaquim comprovem serem filhos de João para que façam jus ao levantamento do preço da desapropriação.
Em casos semelhantes, o E. Tribunal de Justiça de São Paulo compartilha do entendimento esposado acima, no sentido de que a transferência de propriedade decorrente da sucessão causa mortis opera-se automaticamente, sem a necessidade de registro de formal de partilha no registro de imóveis:
“OMISSÃO. VÍCIO CONFIGURADO. Não pronunciamento sobre a alegação atinente à desnecessidade de registro de formal de partilha para fins de levantamento. A princípio, cumpridos os demais requisitos estabelecidos pelo art. 34 do DL 3.365/41, admite-se o levantamento por parte de herdeiro do bem que figure em formal de partilha homologado para esse fim específico, ainda que este não tenha sido registrado na matrícula do imóvel. Acontece que o reconhecimento da qualidade dos embargantes de herdeiros de 1/5 do imóvel objeto da matrícula 58.079 não repercute para alterar o resultado do julgamento do agravo de instrumento. A decisão colegiada condicionou, expressamente, o levantamento do preço à prévia imissão na posse. O V. Acórdão salienta que somente a partir da imissão será possível extrair a certeza de inexistência de débitos fiscais que recaiam sobre o bem sob a responsabilidade da parte expropriada. A desnecessidade de registro do formal de partilha na matrícula do imóvel não autoriza o pretendido levantamento, diante da ausência de imissão na posse pela municipalidade e, também, da pendência de débitos tributários sobre o imóvel. Fundamentação integrada, sem modificação do resultado. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO ACOLHIDOS SEM EFEITOS MODIFICATIVOS.
(…)
Os embargantes são herdeiros de Thomé Rodrigues Caraça, cumprindo ressaltar a expedição do competente formal de partilha que tem por objeto apenas o imóvel expropriado (fls. 488/509 – origem).
O formal não foi levado a registro imobiliário de modo que, na Matrícula 58.079 do imóvel constam como proprietários Thomé Rodrigues Caraça (1/5 do bem); Maria Cândida da Conceição (1/5 do bem) e Moriô Sakamoto (3/5 do bem fls. 852/855).
Os agravantes requereram o levantamento do preço depositado nos autos. O juízo “a quo” indeferiu o requerimento, registrando, para tanto, que é imprescindível o registro do formal de partilha e a imissão do Município na posse do imóvel antes de ser deferido o levantamento do preço.
É preciso destacar que a jurisprudência do STJ vem admitindo o levantamento do preço mesmo por quem detém apenas a posse do bem, sem a prova documental da propriedade, justamente por considerar que a indenização deve ser previamente paga a quem efetivamente perde os direitos sobre o objeto da desapropriação.
Nesse sentido:
‘ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 3/STJ. INTERVENÇÃO DO ESTADO NA PROPRIEDADE. DESAPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA. ACOLHIMENTO DA OFERTA INICIAL. ANUÊNCIA DOS EXPROPRIADOS. POSSIBILIDADE. DESNECESSIDADE DE PERÍCIA JUDICIAL. LEVANTAMENTO DOS VALORES. CONDICIONAMENTO À REGULARIDADE DO DOMÍNIO. DESCARACTERIZAÇÃO. SITUAÇÃO DE POSSE. FALTA DE OPOSIÇÃO DE TERCEIROS QUANTO À CERTEZA DO DOMÍNIO. PRESTAÇÃO JURISDICIONAL INCOMPLETA. RAZÕES GENÉRICAS. HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS RECURSAIS. INVIABILIDADE. CADEIA RECURSAL INICIADA SOB O CPC/1973. INSTÂNCIA RECURSAL EXTRAORDINÁRIA INAUGURADA QUANDO INEXISTENTE A PREVISÃO DO ÔNUS.
(…)
- É cabível a indenização por desapropriação em favor do possuidor do imóvel, hipótese na qual inaplicável o teor do art. 34 do Decreto-Lei 3.365/1941 uma vez inexistente a dúvida sobre o domínio, sobremaneira quando o próprio ente expropriante, quando da propositura da ação, reconheceu essa situação. Precedentes. (…)
- Agravo conhecido para conhecer parcialmente do recurso especial e, nessa extensão, negar-lhe provimento.’ (AREsp 1124406/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 05/09/2017, DJe 14/09/2017).
Como se vê, imperiosa o suprimento da omissão para ressaltar a admissibilidade, em tese, do levantamento por parte de herdeiro do bem que figure como tal em formal de partilha homologado para esse fim específico.”
(In Embargos de Declaração 2105707-25.2020.8.26.0000/50001, Rel. Des. José Maria Câmara Junior, 8ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, Data do Julgamento: 28/09/2020) (grifos nossos)
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. Ação de desapropriação, em fase de execução de sentença. Pedido de levantamento do valor depositado. Exigência de regularização do título de propriedade para fins de novo cumprimento do art. 34, do Decreto-lei n. 3.365/41. Inadmissibilidade. Agravantes que detêm formais de partilha homologados judicialmente. Inexistência de dúvida fundada sobre o domínio. Desnecessidade, nestas circunstâncias, de regularização junto ao Cartório de Registro de Imóveis para fins de levantamento .Recurso provido.
(…)
No presente caso, ao que se verifica dos autos, já há formais de partilha homologados judicialmente, o que demonstra patentemente a legitimidade dos agravantes para levantar o valor da justa indenização relativa ao bem expropriado.
Diante desta situação, inexiste qualquer dúvida relevante a respeito do domínio, razão pela qual é inadmissível que a expropriante crie embaraços para fins de impedir o levantamento do valor depositado.
Ademais, inexistindo dúvida séria e razoável sobre o domínio do imóvel, não cabe ao douto julgador condicionar o levantamento do preço ao cumprimento de formalidade legal, mormente quando esta demanda tempo para fins de levantamento topográfico da área e dinheiro para a sua realização, dos quais os interessados não dispõem, tal como no caso.”
(In AI 2230823-12.2018.8.26.0000, Rel. Des. Silvia Meirelles, 6ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, Data do Julgamento: 17/12/2018) (grifos nossos)
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. DESAPROPRIAÇÃO. SUBSTITUIÇÃO DO POLO PASSIVO PELOS HERDEIROS. Necessidade da comprovação pelos herdeiros da titularidade de domínio sobre a área desapropriada. Registro do Formal de Partilha. DESNECESSIDADE. Inteligência do artigo 34 Decreto Lei nº 3.365/41. Na medida em que os herdeiros promoveram o competente inventário dos bens deixados pelos falecidos e, já houve a expedição do formal de partilha, atribuindo aos agravados os respectivos quinhões, inexiste dúvida quanto ao domínio, passível de impugnação de terceiros, não havendo necessidade de averbação no registro imobiliário da atual titularidade do imóvel, para inclusão dos mesmos no polo passivo da demanda. Decisão mantida. RECURSO NÃO PROVIDO.
(…)
No caso em tela, na medida em que os herdeiros promoveram o competente inventário dos bens deixados pelos falecidos e, já houve a expedição do formal de partilha, atribuindo aos agravados os respectivos quinhões, inexiste dúvida quanto ao domínio, passível de impugnação de terceiros, não havendo necessidade de averbação no registro imobiliário da atual titularidade do imóvel, a fim de que constem os herdeiros de Antonio de Campos e Dirce Barroso de Campos, para inclusão dos mesmos no polo passivo da demanda.
A restrição imposta pelo artigo 34 do Decreto Lei nº 3.365/41 para a expedição de alvará de levantamento visa garantir que a pessoa que levanta os valores seja a legítima detentora deste direito, bem como dar ciência a terceiros sobre as condições do imóvel expropriado. No caso dos autos não restam dúvidas que os herdeiros são titulares do domínio sobre o imóvel expropriado.
Ademais, a ausência de registro do formal de partilha, não acarreta qualquer prejuízo à agravante, ante a natureza da desapropriação de aquisição originária do domínio pela expropriante.
Aliás, este Egrégio Tribunal de Justiça tem se posicionado no sentido da desnecessidade de averbação no registro imobiliário da titularidade do imóvel em favor dos herdeiros do antigo Expropriado. Neste sentido:
‘PARTILHA – O registro do formal de partilha não é requisito para o levantamento de importância depositada em ação expropriatória – Inteligência do artigo 34 da Lei de Desapropriação.’ (Agravo de Instrumento nº 96.580-5 – São Paulo – 2a Câmara de Direito Público – Relator: Gamaliel Costa -23.02.99)
‘AGRAVO DE INSTRUMENTO – Desapropriação – Indenização – Levantamento – Espólio – Condicionamento à prova da titularidade do domínio pelos herdeiros, e registro do formal de partilha – Desnecessidade – Inventário findo – Suficiência de requerimento nos próprios autos da desapropriação, com aquiescência de todos os herdeiros declinados – Agravo provido.’ (Agravo de Instrumento nº 223.739-57/7 – São Paulo – 7ª Câmara de Direito Público – Relator Lourenço Abb.data da decisão – 06/08/2001).
‘DESAPROPRIAÇÃO – Indenização -Imóvel objeto de inventário – Levantamento do depósito – Condicionamento ao registro do formal de partilha ou exibição de alvará específico – Desnecessidade – Inexistência de dúvida fundada sobre o domínio e de impugnações de terceiros – Propriedade, ademais, como elemento irrelevante, visto ser originária a aquisição do domínio pela expropriante – Recuso provido.’ (Relator: Viana Santos – Agravo de Instrumento n.223.655-2, São Paulo, – 15/03/94).
‘AGRAVO – Desapropriação – Pretensão de levantar importância depositada, a despeito da ausência de registro do formal de partilha – Admissibilidade – Inteligência do art. 34 da Lei de Desapropriação – Tratando-se de posse incontroversa, reconhecida pela própria expropriante, e dada a impossibilidade de obter o registro do formal de partilha, por falta de recurso, deve-se autorizar o levantamento do valor depositado, conforme vem entendendo esta Corte em hipóteses iguais – Recurso provido.’ (Agravo nº 391.277-5/0-00, 2ª Câmara de Direito Público, Rel. Aloisio de Toledo César, data do julgamento 08.03.2005)”
(In AI 2076859-38.2014.8.26.0000, Rel. Des. Ronaldo Andrade, 3ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, Data do Julgamento: 24/02/2015) (grifos nossos)
Denegar aos herdeiros do proprietário tabular que comprovem sua condição de sucessores o levantamento do preço da desapropriação a que alude o artigo 34, do Decreto-lei 3.365/41, se lhes impondo a feitura de inventário e subsequente registro na matrícula do imóvel, significa, data maxima venia, um apego arraigado ao formalismo, uma interpretação arcaica do citado artigo 34, do Decreto-lei 3.365/41 e que não atende aos fins sociais que devem prevalecer na aplicação da lei.
Se os herdeiros do proprietário tabular comprovam sua qualidade de únicos sucessores de acordo com a lei civil, nada há que impeça autorizar-se o pagamento do preço a eles, eis que não haverá dúvida fundada sobre o domínio do bem.
O espírito do art. 34, do Decreto-lei 3.365/41, em interpretação sistemática com seu parágrafo único, consiste em evitar que o preço seja levantado por aquele que não guarda relação de domínio sobre o imóvel. Em não havendo dúvidas quanto ao domínio, o citado dispositivo legal permite o levantamento do preço pela parte que comprova ser seu detentor, seja o proprietário com título inter vivos registrado no cartório de imóveis, seja o promissário comprador com instrumento particular não registrado (detentor da posse), seja o herdeiro (que adquire o bem a título causa mortis pelo princípio de saisine).
Ora, se até mesmo o promissário comprador tem garantido, por força do entendimento pacífico dos nossos Tribunais Superiores, o direito de levantar o preço ainda que seu instrumento particular não esteja devidamente registrado na matrícula do imóvel, o mesmo direito deve ser concedido aos herdeiros do proprietário que não tenham procedido à partilha ou a registrado no cartório de registro de imóveis. Onde há a mesma razão deve ser aplicado o mesmo direito.
Vale aqui, aliás, o alerta suscitado por Kyoshi Harada: “Deixar o preço depositado em juízo eternamente, enquanto o expropriado, impossibilitado de obter o título dominial, passa por necessidades não tendo condições de refazer o seu patrimônio desfalcado pela ação do poder público, também, não é uma solução compatível com a função social do Direito.” (In Desapropriação, 11ª ed., Ed. Atlas, 2015, pág. 247).